Este artigo foi originalmente publicado no jornal Folha de São Paulo.


Já aquecemos a superfície do planeta em cerca de 1ºC, e os desafios não são pequenos para trajetórias de desenvolvimento que atendam às metas do Acordo de Paris de manter o aquecimento em menos de 2º C — idealmente 1,5ºC.

Os impactos já são sentidos em toda parte. Em menos de 30 dias, 4 furacões no Caribe —Harvey, Irma, José e Maria— atingiram categoria 4 e 5, fato sem precedentes na história e diretamente associado ao aquecimento do oceano, e causaram enorme devastação.

Isso, por si só, já bastaria para fazer o governo Trump voltar correndo ao Acordo de Paris, fosse este um governo que se preocupasse com o bem-estar das pessoas.

Para estabilizar as mudanças climáticas, as transformações sociais, econômicas e tecnológicas necessárias vão significar uma grande ruptura do atual modelo de desenvolvimento: a quase completa descarbonização da economia global, mantendo quase todo o carvão, o petróleo e o gás natural ainda não explorados enterrados para sempre, inclusive a maior parte do petróleo do pré-sal.

No Brasil, o agronegócio organizado repete há anos o discurso da "intensificação sustentável", mas direta ou indiretamente a pecuária e agricultura são responsáveis por quase 70% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa.

A Embrapa vem desenvolvendo tecnologias para uma agricultura neutra em carbono e projeta que será possível atingirmos tal estágio já em 2030. Além de liderança na sustentabilidade, uma agricultura neutra em carbono poderá trazer benefícios econômicos e contribuir para a restauração florestal.

A adoção de tecnologias que ampliem a produtividade e, ao mesmo tempo, reduzam as emissões requer mudanças profundas no seio do agronegócio brasileiro.

Freando o avanço descontrolado da fronteira das commodities nos biomas cerrado e floresta amazônica — como ainda vemos ano após ano —, com a contenção partindo do próprio setor, de forma articulada e organizada e não somente por ações fiscalizadoras por parte dos órgãos ambientais.

Mesmo que o agronegócio abrace a necessária transformação como intenção, terá ainda que enfrentar o paradoxo de Jevons, conhecido como efeito bumerangue: o aumento da eficiência provoca o aumento da demanda.

William S. Jevons, no século 19, percebeu que o uso do carvão na Revolução Industrial ampliava-se com a melhoria na eficiência, graças à atração de capital para a atividade mais lucrativa.

O mesmo ocorreu com o aumento da produtividade das plantações de palma no Sudeste Asiático e com o aumento da produtividade do gado leiteiro em Rondônia: ambos provocaram aumento do desmatamento —Rondônia é o estado mais desmatado da Amazônia.

Em outras palavras, as sementes de uma agropecuária expansionista ainda estão presentes na economia brasileira, apoiadas pelo peso econômico que o setor representa, nesta fase de reprimarização da economia.

Conclui-se que é o próprio setor que deveria liderar a reformulação de suas estratégias, criando códigos de ética em defesa de uma política agrícola de desmatamento zero em que o aumento da produção decorresse tão somente por ganhos de produtividade.

Se assim procedesse, ganharia liderança e respeito mundiais, o que seria positivo para a imagem do país.

Vivemos dias incertos, em que a vasta maioria da população aspira por uma país justo e democrático, e uma minoria encastelada na representação política se agarra com unhas e dentes ao poder.

A vasta maioria da população é contra o desmatamento e quer combater as mudanças climáticas. A bancada ruralista do Congresso acelera a tramitação de leis que, se aprovadas, irão acelerar a perda de ecossistemas e aumentar a emissão de gases de efeito estufa, na contramão das aspirações dos brasileiros.

A hora da verdade se aproxima, e devemos reafirmar como país os compromissos do Acordo de Paris e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Os que saírem na frente na corrida por um planeta sustentável serão os líderes a apontar o caminho para outros países e motivo de orgulho para seus habitantes.