As projeções globais feitas em relação à segurança no trânsito para os próximos anos deixam clara a necessidade da tomada de ação. Salvar vidas nas ruas depende de estratégias e comprometimento por parte de governos nacionais e locais. Países e cidades ao redor do mundo estão conseguindo de maneira eficiente reduzir o número de fatalidades ao repensar o desenho das vias, reduzir velocidades e priorizar pedestres e ciclistas. Exemplos de referência podem ser encontrados em países europeus, porém importantes projetos já implementados no Brasil e em países da América Latina também vêm salvando muitas vidas nas cidades.

Acidentes de trânsito matam cerca de 1,25 milhão de pessoas e ferem de 20 a 50 milhões de pessoas a cada ano. Hoje, é a nona causa de mortes em todo o mundo, mas em 2030 pode ser a quinta causa, segundo projeções que levam em conta as tendências dos processos de urbanização, aumento populacional e a demanda por mobilidade. As maneiras de garantir que essa previsão não se confirme já existem e são práticas executadas em diversos países. É difícil não citar o programa Visão Zero, estabelecido em 1999 pelo Parlamento Sueco e que parte da premissa de que nenhuma morte no trânsito é aceitável. Juntamente com a abordagem dos Sistemas Seguros, que trabalha para que todos os elementos de uma rede de mobilidade sejam planejados a fim de proteger a vida humana, o Visão Zero levou a Suécia a suas atuais taxas de mortes no trânsito, as mais baixas em todo o mundo – menos de três pessoas a cada 100 mil.

Governos de todo o mundo se comprometeram a tomar medidas que previnam acidentes ao integrar a Década de Ação pela Segurança no Trânsito (2011-2020), coordenada pela Organização Pan-Americana de Saúde/Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS). O objetivo é fazer com que os índices de mortes decorrentes de acidentes de trânsito registrados em 2011 caiam em 50% até 2020. Para alcançar essa meta, as cidades de Fortaleza, Salvador, Belo Horizonte, Santiago e Buenos Aires apostam em projetos focados no transporte ativo, redução de velocidades e redesenho urbano. Confira alguns deles.

Fortaleza

A capital do Ceará apresentou uma redução de 35% na taxa de mortalidade no trânsito de 2010 a 2017, com 9,7 mortes a cada 100 mil habitantes. Desde 2015, a cidade registra queda no número de vítimas.

Fortaleza está entre as dez cidades selecionadas em 2015 pela Bloomberg Philanthropies para fazer parte de sua Iniciativa para a Segurança Viária Global. A cidade vem trabalhando na implementação de uma série de medidas para qualificar e priorizar o transporte ativo e intensificar a segurança viária.

No início do ano foi implantada a primeira ação de adequação de velocidade em vias arteriais aos parâmetros recomendados pela OMS. A avenida Leste-Oeste, uma das vias de maior periculosidade na cidade, circundada pelos bairros mais densos de Fortaleza, passou a ter um limite de velocidade de 50 km/h. Segundo o Relatório Anual de Segurança Viária de 2017, em apenas seis meses o número de chamados para acidentes com vítimas reduziu 54% e, especificamente, para atropelamentos, reduziu 64%. A via também recebeu uma ciclofaixa e um redesenho das vias perpendiculares.

A cidade já implantou também duas Áreas de Trânsito Calmo – no bairro Rodolfo Teófilo e no bairro Vila União, no entorno do Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS). Os projetos incluem intervenções como prolongamentos de calçada, faixas elevadas para pedestres, adequação da velocidade para 30 km/h e sinalização viária diferenciada.

O Projeto Cidade da Gente, iniciado em 2017, também já implementou duas intervenções transformadoras em Fortaleza. As ações temporárias realizadas na Cidade 2000, e a mais recente, no entorno do Centro Cultural Dragão do Mar e do Porto Iracema das Artes, buscam dar um novo uso aos espaços públicos disponíveis nas ruas, além de promover a segurança viária. Os locais foram modificados através de pinturas coloridas no asfalto, mobiliário urbano que estimula a permanência das pessoas e iluminação especial. O sucesso dos projetos resultou na decisão de torná-los definitivos. As intervenções devem se transformar em uma política pública de forma que contemple mais áreas da cidade.

Santiago

Há dois anos, Santiago recebeu um prêmio durante a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III) pelo seu Plano Integral de Mobilidade Urbana. O reconhecimento recebido foi pela categoria Segurança Viária em Ação, que determina a priorização dos pedestres e ciclistas na pirâmide de hierarquia da mobilidade urbana e nos projetos da cidade. A premiação ainda reconheceu que o Plano beneficiou 331 mil habitantes de Santiago e mais dois milhões de pessoas que integram a população "flutuante", ou seja, que frequentam a cidade, mas não vivem nela.

O segundo motivo que levou Santiago a ganhar o prêmio foi o projeto chamado Plano Centro (Plan Centro), que propõe intervenções em sete ruas do centro da cidade, onde circulam cerca de dois milhões de pessoas diariamente. As ações pretendem dar prioridade para a circulação de pedestres, ciclistas e para o transporte coletivo.

<p>Plan Centro Santiago</p>
Desenho do antes e depois da calle Compañía (Fonte: Plan Integral de Movilidad de Santiago)

Uma das ruas já transformadas foi a Calle Compañia-Merced. Antes da reforma, a via contava com calçadas muito estreitas onde circulavam aproximadamente 50 mil pessoas por dia. O leito carroçável era composto por três faixas de rolamento de uso misto, havendo exclusividade para ônibus em apenas alguns trechos durante horários de pico.

Após a intervenção, as vias se tornaram exclusivas para transporte público de segunda a sexta-feira durante o dia e os tempos de viagem caíram 50% durante as horas de pico. As calçadas tiveram seu espaço aumentado em até 30%. A intervenção transformou a paisagem urbana e incluiu arborização, iluminação e até as paradas de ônibus foram redesenhadas para garantir acessibilidade universal e segurança para as pessoas.

As ruas Santo Domingo e San Antonio são outras duas vias que já receberam as intervenções propostas pelo Plano Centro. Elas também tiveram o alargamento de calçadas, a eliminação de vagas de estacionamento e a ampliação do número de pistas para o trânsito do transporte coletivo.

Belo Horizonte

Dados do Ministério da Saúde indicam que Belo Horizonte reduziu em 32,2% o número de mortes no trânsito de 2010 a 2016. Outro levantamento, realizado pelo Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran), indica que o índice continua a cair, já que na comparação de 2017 com 2016 os acidentes com vítimas diminuíram em 20%. As ocorrências sem vítimas diminuíram cerca de 50%.

A cidade começou recentemente a trabalhar na implantação do projeto Zonas 30, medida prevista no Plano de Mobilidade (PlanMob-BH 2030) e que visa diminuir os limites de velocidade dos veículos especialmente no hipercentro de Belo Horizonte, onde há maior concentração de atropelamentos, e em áreas comerciais e polos geradores de tráfego. As obras já foram iniciadas no bairro Santa Efigênia, na região leste, e em breve devem ser iniciadas na área hospitalar, na região centro-sul da cidade, e no bairro Cachoeirinha, na região nordeste.

O PlanMob da capital mineira prevê a adoção de medidas que reduzam o número de acidentes tendo como meta chegar a uma taxa de mortalidade em um valor menor ou igual a 3,77 a cada 100 mil habitantes em 2030. Em 2014, essa taxa era de 7,1. "Se nenhuma ação for feita para reduzir o número de acidentes de trânsito, a tendência será a taxa de mortalidade alcançar 11,26", afirma o documento.

Buenos Aires

<p>Pedestres Buenos Aires</p>
Capital argentina quer transformar sua região central para os pedestre e ciclistas (Foto: Prefeitura de Buenos Aires)

A capital argentina vem se tornando referência em boas práticas de segurança viária devido ao seu processo de pedestrianização de vias e do seu Plano de Segurança Viária. O objetivo da cidade é pedestrianizar as zonas de maior movimento de pedestres do centro. São 259 quadras previstas para serem transformadas e terem a circulação de veículos reduzida. Além de buscar reduzir o número de acidentes de trânsito, Buenos Aires quer também melhorar a qualidade do ar da região e diminuir a poluição sonora.

O Plano de Segurança Viária da cidade também prevê metas de proteção aos usuários mais vulneráveis das vias, os pedestres e ciclistas. A estratégia é concentrada em quatro eixos: infraestrutura segura, controle e legislação, educação e conscientização e compromisso cidadão. Entre as principais ações estão ampliar o sistema de bicicletas compartilhadas e ciclovias, criar zonas seguras no entorno de hospitais e escolas com prioridade para o transporte não-motorizado, instalar corredores de ônibus, criar áreas pedestrianizadas, aumentar o número de agentes de trânsito e promover campanhas de conscientização no trânsito.

Salvador

Com ações focadas em educação e fiscalização do trânsito, a cidade de Salvador conseguiu reduzir em 51% o número de mortes entre 2012 e 2017. Segundo a Superintendência de Trânsito de Salvador (Transalvador), o resultado positivo foi decorrente de ações traçadas pela implantação do Projeto Vida no Trânsito (PVT). A iniciativa nacional foi adotada por Salvador em 2013, ano em que foi expandida para todos os municípios brasileiros com mais de um milhão de habitantes.

Na capital baiana, o projeto envolve a articulação entre o setor de saúde e diferentes órgãos municipais e estaduais voltados ao controle e à educação para o trânsito e transportes terrestres.
Obras de infraestrutura também contribuíram para a melhora na segurança da população. A avenida Suburbana, uma das vias com maior índice de acidentes da cidade, registrou queda no número de ocorrências especialmente após obras de requalificação da via, que permitiram a redução do limite de velocidade. A avenida recebeu mais faixas de pedestres elevadas, semáforos e uma ciclovia. Entre 2015 e 2016, o número de óbitos por acidentes viários na via caiu de 17 para 10. Vias importantes dos bairros Barra e Rio Vermelho também receberam projetos de requalificação que implantaram vias compartilhados para veículos e pedestres.