Desde a COP 21, em 2015 em Paris, os governos municipais têm assumido um papel de protagonismo no combate às mudanças climáticas. Nos Estados Unidos, após o país sair do Acordo de Paris, o movimento “We are still in” (em português, “Nós ainda estamos dentro”) é um exemplo. Isso acontece porque as cidades ocupam, de fato, uma posição crítica para que o combate às mudanças climáticas seja possível: são lar para a maior parte da população, responsáveis por 70% das emissões globais dos gases de efeito estufa e as mais vulneráveis aos efeitos das mudanças no clima. É nas áreas urbanas que a luta deve começar.

De acordo com o C40, 70% das cidades já estão sentindo os efeitos das mudanças climáticas. Cerca de 90% das áreas urbanas estão em regiões costeiras, o que coloca a maior parte delas em risco de inundações devido ao aumento do nível do mar e fortes tempestades. Os gestores locais podem e devem agir para proteger suas cidades de impactos ambientais e econômicos.

No Brasil, a primeira cidade a instituir uma lei municipal de mudanças climáticas foi São Paulo. Em 2009, depois de um ano e meio de discussões, a Política Municipal de Mudança do Clima de São Paulo foi aprovada através de um processo de articulação que envolveu as Secretarias do Verde e do Meio Ambiente junto a outros órgãos municipais, profissionais especializados, sociedade civil e institutos como ICLEI e Fundação Getúlio Vargas.

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São Paulo: primeira cidade brasileira a instituir uma política climática municipal (Foto: Diego Torres Silvestre/Flickr)

O que fez de São Paulo pioneira entre as cidades brasileiras? Na visão de Rachel Biderman, diretora executiva do WRI Brasil, a resposta está no comprometimento político: “Muitos dos sucessos nesse sentido ocorrem devido à atuação de atores engajados, à presença de um agente político que sabe que a mudança é necessária. No caso de São Paulo, também soma-se o fato de que a lei foi muito bem-feita em termos técnicos, reunindo o melhor das pesquisas científicas e realizando um processo de benchmarking”.

Mudanças climáticas e qualidade do ar

Uma das principais metas estabelecidas pela política climática de São Paulo – reduzir as emissões – está diretamente associada a outro desafio que começa a assolar as cidades brasileiras: a qualidade do ar.

As emissões e a consequente má qualidade do ar afetam, de um lado, a saúde da população e, de outro, o clima como um todo. De acordo com um relatório publicado no último ano pela Organização Mundial da Saúde (OMS), nove em cada dez pessoas respiram ar contaminado no mundo. No Brasil, pelo menos 50 mil mortes por ano são atribuídas a complicações decorrentes da poluição atmosférica.

As mudanças climáticas e a qualidade do ar são desafios com muitos pontos de interseção e, conforme aponta Rachel, um dos entraves é que muitas vezes não são endereçados de forma conjunta: “Essas duas áreas estão diretamente relacionadas. Devem coexistir e ser integradas. Não é possível e não se deve legislar sobre poluição do ar sem ter em vista a situação climática”.

Para isso, acredita a especialista, há um ponto de partida comum: os transportes e o consumo de combustíveis fósseis. “São muitos os fatores que devem ser considerados para o controle da poluição”, afirma Rachel. “As complicações para a saúde não são capazes de dissuadir as pessoas do uso do transporte individual, mas podem ajudar na conscientização do problema e, com isso, colocar a melhora da qualidade dos combustíveis como uma parte da solução. De todos os desafios, equilibrar o uso do veículo privado é o mais difícil. Por conta de toda a imagem criada em torno do carro, é uma luta contra o próprio inconsciente.”

Para começar a mudança: medir e mensurar

Em outubro de 2018, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) aprovou as resoluções 490 e 491, que versam, respectivamente, sobre o controle de emissões de gases poluentes e de ruídos para veículos automotores pesados novos e os padrões de qualidade do ar.

A resolução 490 regula a nova fase do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), que começará a ser aplicada em 2022 e limitará poluentes e ruídos dos novos veículos de uso rodoviário destinados ao transporte de passageiros (ônibus) e mercadorias (caminhões). A resolução 491 reduz sutilmente as concentrações de poluentes permitidas no ar (em relação aos valores anteriores), delimitando valores intermediários até atingir os recomendados pela OMS. Ambas podem ser lidas na íntegra aqui.

André França, engenheiro químico e diretor adjunto de Pós-Licença no Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea), acredita que o trabalho, agora, deve se encaminhar para outra direção – a devida implementação da política: “É preciso debater políticas públicas e prazos de implementação. Mas isso depende da realidade de cada local e, hoje, nenhum estado tem um inventário de emissões. É preciso ter os dados necessários para caracterizar a situação atual e definir uma meta desafiadora, mas que seja alcançável. Senão, como definir quando será possível atingir esse limite?”.

A definição dos padrões nacionais precisa ser acompanhada por um avanço significativo no monitoramento e na gestão. Medir e monitorar são dois dos desafios que se colocam no trabalho pela melhora da qualidade do ar nas cidades. E isso vale tanto para as emissões quanto para as políticas implementadas. Não é possível estabelecer uma meta de redução de emissões ou da concentração de poluentes atmosféricos sem conhecer o patamar atual.

Cidades podem ser protagonistas

Apesar do monitoramento ser uma função dos estados, as cidades têm jurisprudência sobre a criação e a alteração da política climática urbana. Isso faz dos municípios agentes ativos para melhorar a qualidade do ar e, dessa forma, contribuir também para o combate às mudanças climáticas, como afirmamos no início deste texto.

Ao manter o monitoramento das emissões e da poluição do ar, as cidades geram os dados necessários para garantir que as próprias estratégias de planejamento do município sejam traçadas visando a contribuir nesse sentido. Quando planejamento urbano considera, por exemplo, a manutenção de áreas de proteção ambiental e ações e projetos que contribuam para reduzir emissões, a cidade ajuda a proteger a diversidade biológica e as bacias de captação de água potável, a evitar o deslizamento de encostas em áreas de risco, a regular a temperatura e a umidade da cidade e a melhorar a qualidade do ar.