O primeiro Prêmio Ross para Cidades teve como vencedor um programa que visa melhorar as condições de segurança para crianças acessarem suas escolas em Dar es Salaam, na Tanzânia. O projeto, assim como muitos outros dedicados às crianças no meio urbano, lança luz à questão dos efeitos que os modos de transporte exercem sobre a vida de crianças nas cidades. O acesso a condições seguras e saudáveis de transporte afeta o desenvolvimento e a educação de meninas e meninos.

Em todos os seus deslocamentos, crianças estão constantemente aprendendo e estabelecendo conexões com a cidade, e a qualidade dessas viagens tem papel fundamental nesse processo. O sistema de mobilidade de uma cidade pode favorecer ou prejudicar a capacidade das crianças utilizarem as diversas opções de transporte. O acesso a um transporte de qualidade, desde um bom sistema coletivo até a infraestrutura favorável para o caminhar e pedalar em segurança, cria oportunidades para crianças interagirem com o ambiente e com uma maior diversidade de pessoas, além de estimular hábitos saudáveis e atividades físicas.

Estudos já dão conta das diferentes percepções entre crianças que se deslocam de carro e as que caminham. Em um estudo de 2002, os autores concluíram haver uma distorção cognitiva na representação do espaço urbano em crianças que fazem deslocamentos para a escola de carro e a pé. "O mapa cognitivo de meninos e meninas que caminhavam para a escola era próximo do mapa real, enquanto os mapas dos pesquisados que viajavam de carro para a escola eram mais distantes do real", diz a pesquisa.

Os autores ainda explicam que crianças acostumadas a se deslocarem de carro não entendiam o ambiente como um espaço contínuo, mas como uma série de espaços independentes, mostrando uma maneira diferente de perceber o espaço urbano. Esse fenômeno também é chamado de “perspectiva do para-brisas”.

Incentivo ao transporte ativo

As vantagens do transporte ativo para crianças são inúmeras, mas muitas cidades não oferecem condições favoráveis a essa prática. Não apenas a violência no trânsito e a poluição do ar afastam meninas e meninos das ruas, mas também a própria falta de estímulo para caminhar e pedalar acaba influenciando nas escolhas de transporte.

Em 2017, o WRI Brasil lançou uma série de documentos chamados de Orientações Para Políticas Públicas, que servem de inspiração para gestões municipais adotarem ações para estimular e qualificar o transporte ativo. Um deles, o Mobilidade nas Escolas, faz quatro recomendações que podem influenciar na formulação de novas políticas que ajudem a preparar melhor a cidade para as crianças. São elas:

1. Desenvolver uma nova visão de cidade: Além de projetos de sinalização, campanhas de educação de motoristas e pedestres e fiscalização, para prevenir e reduzir acidentes é necessário que se faça uso de oficinas para educar as crianças sobre como interagir com a cidade de forma segura.

2. Elaborar um Plano Diretor de Transporte Ativo (PDTA): Os principais instrumentos do PDTA são detalhamentos para a implementação de planos de caminhabilidade e cicloviário, incluindo ações em educação, gestão e financiamento.

3. Envolver diferentes atores: É essencial que pais, alunos e professores participem constantemente da criação de medidas para redução dos principais fatores causadores de acidentes de trânsito, mas também pressionem autoridades para que se envolvam decisivamente em um redesenho urbano que dê sentido e consequência a esse esforço.

4. Ampliar a visão de segurança viária: Para que um ambiente urbano seja seguro, é preciso mais do que simplesmente extinguir os acidentes. É necessário incluir dados mais elaborados no estudo da segurança viária que contemplem a interação entre os diversos modos de transporte, como pesquisas origem-destino, auditorias e rotas preferenciais para ir à escola.

Segurança no entorno de escolas

<p>estudante Tanzânia</p>

Boa infraestrutura das calçadas contribui para a mobilidade de crianças (Foto: Kyle LaFerriere)

A alta incidência de alunos feridos ou mortos em decorrência do trânsito no entorno de escolas em Dar es Salaam motivou a criação do programa Avaliação e Melhoria da Segurança Viária em Áreas Escolares (SARSAI). Algumas das áreas escolares mais perigosas da cidade registravam mais de 12 estudantes feridos ou mortos em acidentes de trânsito por ano. O programa, construído pela organização sem fins lucrativos Amend, contou com ajuda da comunidade e autoridades locais e encontrou soluções de infraestrutura simples e de baixo custo para proteger os alunos. Já são 38 mil crianças impactadas pelo projeto, além de seus familiares.

Ayikai Charlotte Poswayo, diretora de programa da Amend, afirmou em entrevista ao WRI que acredita que as cidades da África Subsaariana não foram planejadas para o uso de crianças e, por esta razão, as estatísticas mostram que lá as crianças têm duas vezes mais chances de morrerem em acidentes no trânsito do que em outras partes do mundo.

"Talvez também seja porque os danos causados pelo trânsito são um problema de saúde pública, mas também uma questão de engenharia, um problema de fiscalização, de educação. É uma daquelas questões que ninguém enxerga como seu problema. Então se forma uma situação em que ninguém toma a completa responsabilidade por aquilo ou faz algo a respeito”, explicou Ayikai. O programa venceu outros 200 projetos concorrentes e ganhou o prêmio de US$ 250 mil.


No Brasil, um projeto que busca incentivar o caminhar de crianças até a escola e ao mesmo tempo cuidar para que elas estejam bem acompanhadas foi um dos finalistas do Desafio InoveMob. O Carona a Pé, em execução em duas capitais brasileiras, envolve a participação de comunidades e educadores no transporte diário das crianças às unidades de ensino. Segundo professores e pais, os resultados observados vão desde um aumento na frequência e na participação nas aulas até uma relação melhor com o próprio bairro.